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José Lutzenberger (Alemanha 1882- Brasil 1951)
aquarela sobre papel, 21 x 29 cm
Museu Ado Malogoli, Porto Alegre.
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Os pampas
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José de Alencar
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“Ao por do sol perde o pampa os toques ardentes da luz meridional. As grandes sombras que não interceptam montes nem selvas, desdobram-se lentamente pelo campo fora. É então que se assenta perfeitamente na imensa planície o nome castelhano. A savana figura realmente um vasto lençol desfraldado por sobre a terra, velando a virgem natureza americana.
Essa fisionomia crepuscular do deserto é suave nos primeiros momentos; mas logo ressumbra tão funda tristeza que estringe a alma. Parece que o vasto e imenso orbe cerra-se e vai minguando a ponto de espremer o coração.
Cada região da terra tem uma alma sua, raio criador que lhe imprime o cunho de originalidade. A natureza infiltra em todos os seres que ela gera e nutre aquela seiva própria; e forma uma família na grande sociedade universal.
Quantos seres habitam as estepes americanas, seja homem, animal ou planta, inspira nelas uma alma pampa. Tem grandes virtudes essa alma. A coragem, a sobriedade, a rapidez são indígenas da savana.
No seio dessa profunda solidão, onde não há guarida para defesa, nem sombra para abrigo, é preciso afrontar o deserto com intrepidez, e sofrer as privações com paciência e suprimir as distâncias pela velocidade.
Até a árvore solitária que se ergue no meio dos pampas é tipo dessas virtudes. Seu aspecto tem o quer seja de arrojado e destemido; naquele tronco derreado, naqueles galhos convulsos, na folhagem desgrenhada, há uma atitude atlética. Logo se conhece que a árvore já lutou com o pampeiro e o venceu. Uma terra seca e poucos orvalhos bastam à sua nutrição. A árvore é sóbria e feita às inclemências do sol abrasador. Veio de longe a semente; trouxe-a o tufão nas asas e atirou-a ali, onde medrou. É uma planta imigrante.
Como a árvore são a ema, o touro, o corcel, todos os filhos bravios da savana. Nenhum ente, porém, inspira mais energicamente a alma pampa do que o homem, o gaúcho. De cada ser que povoa o deserto toma ele o melhor; tem a velocidade de ema ou da corça, os brios do corcel e a veemência do touro. O coração fê-lo a natureza franco e descortinado como a vasta cochilha; a paixão que o agita lembra os ímpetos do furacão, o mesmo bramido, a mesma pujança. A esse turbilhão de sentimentos era indispensável uma amplitude de coração imensa como a savana.”
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