Nossas cidades: Campina Grande

9 03 2021

Largo da Guia em Campina Grande, 2012

Helder Racine (Brasil,contemporâneo)





A flor e a nuvem, fábula de Lachambeaudie e Paula Brito

25 01 2021
 
 
A flor e a nuvem

 

Paula Brito

 

[ Fábula de Lachambeaudie]

 

Reina o estio.  — No vale

Lânguida flor emurchece

E  chama, p’ra socorrê-la

Uma nuvem, que aparece.

 

“Tu que do Aquilão nas asas

Vais pelo espaço a correr,

Vê que de calor me abraso,

Vem, não me deixes morrer.

 

“Com essas águas, que levas

A minha dor, refrigera.”

“— Tenho missão mais sagrada,

Agora não posso — espera.”

 

Disse e foi-se!… De abrasada

Cai e espira a flor tão bela:

Volta a nuvem e despeja

Quanta água tinha sobre ela…

 

Era tarde!…

 

MORALIDADE

 

Quase sempre

Quando um desditoso chora,

Rara vez no mundo encontra

Remédio ao mal que o devora;

 

Mas quando sucumbe ao peso

Da desgraça que o persegue,

Mudam-se as cenas — louvores

Então não há quem lhe negue.

 

Mas que vale esse aparato

Da verdade ou da impostura?

Nem lírios, nem goivos tiram

Os mortos da sepultura.

 

Em: O Espelho, revista de literatura, modas, indústria e artes, 4 de setembro de 1859, página 21.

 

 

Francisco de Paula Brito  ( RJ 1809 – RJ 1861) –  tipógrafo, editor, jornalista, escritor, poeta, dramaturgo, tradutor e letrista.   Foi aprendiz na Tipografia Nacional.   Trabalhou em seguida, em 1827 no Jornal do Comércio. Em 1831 passa a livreiro e editor com  Tipografia Fluminense de Brito & Cia.  Em 1833 lança o jornal O Homem de Cor, primeiro jornal brasileiro contra o preconceito racial.  É na sua editora que se forma a “Sociedade Petalógica”, grupo de poetas, compositores, atores, líderes da sociedade, ministros de governo, senadores, jornalistas e médicos que “constituíam movimento romântico de 1840-60”  Por outro lado, a tipografia de Paula Brito serviu também de ponto de encontro entre músicos populares [ Laurindo Rabello e Xisto Bahia, por exemplo] e poetas românticos.  A combinação produziu muitas parcerias musicais, principalmente no gênero das modinhas, que serviriam de embrião para a música popular urbana, popular no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX.

 Obras:

Anônimas, poesia, 1859

O triunfo dos indígenas, teatro, sd

Os sorvetes, teatro, sd

O fidalgo fanfarrão, teatro, sd

A revelação póstuma, conto, 1839

A mãe-irmã, conto, 1839

O Enjeitado, conto

A marmota na Corte, periódico humorístico, 1849  

A Maxambomba, teatro   

A mulher do Simplício, ou A fluminense  exaltada, periódico humorístico, 1832  

Ao dezenove de outubro de 1854, dia de S. Pedro de Alcântara, nome de S. M. o Sr. D. Pedro II, poesia   

Biblioteca das senhoras, 1859  

Elegia à morte de Evaristo Xavier da Veiga, poesia, 1837  

Fábulas de Esopo para uso da mocidade, arranjadas em quadrinhas, poesia, 1857  

Monumento à memória do brigadeiro Miguel de Frias Vasconcellos e de seu irmão Francisco de Paula, 1859  

Norma, teatro, 1844  

Oferenda aos brasileiros, sd   

Os Puritanos, teatro 1845  

Poesias de Francisco de Paula Brito, poesia, 1863  

 —–

Pierre Lachambeaudie (França, 1807 – 1872) foi um escritor de fábulas francês.





“O acendedor de lampiões” poema de Jorge de Lima

26 10 2020
lamplighter-carrying-out-his-duty-mary-evans-picture-libraryGravura anônima do Século XIX.
O acendedor de lampiões

 

Jorge de Lima

 

 

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!

Este mesmo que vem infatigavelmente,

Parodiar o sol e associar-se à lua

Quando a sombra da noite enegrece o poente!

 

Um, dois, três lampiões, acende e continua

Outros mais a acender imperturbavelmente,

À medida que a noite aos poucos se acentua

E a palidez da lua apenas pressente.

 

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: —

Ele que doira a noite e ilumina a cidade,

Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

 

Tanta gente também nos outros insinua

Crenças, religiões, amor, felicidade,

Como este acendedor de lampiões de rua!

 

 

Em: Poesias Completas, Jorge de Lima, vol. I, Rio de Janeiro, Cia. José Aguilar Editora: 1974.p. 62





As samambaias, poesia de Hélio Pellegrino

24 09 2020

 

 

samambaias, foto-LadyceWestSamambaias, foto: Ladyce West

 

 

As samambaias

 

Hélio Pellegrino

 

As samambaias

debruçadas no espaço

esplendem seu silêncio.

 

Que farta verdade

em seu verde farfalha!

 

Rio, 2/10/1980

 

Em: Minérios Domados, poesia reunida, Hélio Pellegrino, Rio de Janeiro, Rocco: 1993, p. 47.





Poeta no museu: Hélio Pellegrino

2 07 2020

 

 

Minke_Wagenaar_-_Vincent_van_Gogh_1888_The_yellow_house_('The_street')_-_detailA casa amarela, 1888

Vincent Van Gogh (Holanda, 1853 – 1890)

óleo sobre tela

Museu de Van Gogh, Amsterdã

 

 

Van Gogh em Amsterdã

 

Hélio Pellegrino

 

Por debaixo de tudo:

diques, dunas, frontões;

 

Por debaixo de tudo:

nobres pedras, canais

onde remam cisnes;

 

Por debaixo do mundo

lavra um incêndio.

 

Amsterdã, 1º/1/1981

 

Em: Minérios Domados, Hélio Pellegrino, Rio de Janeiro, Rocco:1993, p.39





O relógio, poema de Jorge de Lima

17 05 2020

 

 

l27horlogedesapience28theclockofwisdom29fromabout1450O relógio do saber, século XV. — L’Horloge de Sapience (Bruxelles, Bibliothèque Royale , ms. IV 111

 

O relógio…

 

Jorge de Lima

 

Relógio, meu amigo, és a Vida em Segundos…

Consulto-te: um segundo!  E quem sabe se agora,

Como eu próprio, a pensar, pensará doutros mundos

Alma que filosofa e investiga e labora?

 

Há de a morte ceifar somas de moribundos.

O relógio trabalha… E um sorri e outro chora,

Nas cavernas, no mar ou nos antros profundos

Ou no abismo que assombra e que assusta e apavora…

 

Relógio, meu amigo, és o meu companheiro,

Que aos vencidos, aos réus, aos párias e ao morfético

Tem posturas de algoz e gestos de coveiro…

 

Relógio, meu amigo, as blasfêmias e a prece,

Tudo encerra o segundo, insólito — sintético:

A volúpia do beijo e a mágoa que enlouquece!

 

[A Instrução, Maceió, 1907]

 

Em: Poesias Completas, Jorge de Lima, vol. I, Rio de Janeiro, Cia. José Aguilar Editora: 1974.p. 45





Eu e a árvore, poesia infantil de Martins d’Alvarez

11 05 2020

 

 

meninos na arvore

 

Eu e a árvore

 

Martins d’Alvarez

 

Quando nasci, papaizinho

plantou, em nosso quintal,

uma arvorezinha esguia,

para ver qual de nós duas

cresceria mais depressa,

qual mais alta ficaria.

 

Mamãe cuidava de mim

e papai cuidava da árvore,

toda noite e todo dia.

Mas, enquanto eu engordava,

crescendo para todo lado,

a arvorezinha subia…

 

Hoje, já estamos crescidas.

Ela bate no telhado…

Eu só alcanço a janela;

mas por vingança, eu me trepo

nos galhos, até ficar

muito mais alta que ela.

 

Em: O mundo da criança: poemas e rimas: , vol. I, Rio de Janeiro, Delta: 1975, p. 99

 

 





Quadrinha da floresta

21 11 2019

 

 

???????????????????????????????Chico Bento preparando a terra, ilustração de Maurício de Sousa.

 

O lavrador consciente

Que sabe reflorestar,

Quando tomba uma floresta,

Planta outra em seu lugar.

 

 

Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965





A palmeira, poesia infantil de Walter Nieble de Freitas

4 09 2019

 

 

 

ANYSIO DANTAS - Tropicana I , serigrafia tiragem 76-100, assinado no canto inferior direito e datado de 1985. 89 x66 cm.

Tropicana I, 1985

Anysio Dantas (Brasil, 1933 – 1990)

serigrafia tiragem 76-100, 89 x 66 cm

 

 

A palmeira

 

Walter Nieble de Freitas

 

Alta, esguia, majestosa,

De uma beleza sem par,

Contemplo a esbelta palmeiraaaaa

Banhada pelo luar.

 

A seus pés um lago azul,

Onde em calma ela se mira,

Põe na paisagem noturna

Cintilações de safira.

 

De longe, chega em surdina

A voz rouca das cascatas:

É a sinfonia dos rios

Soluçando serenatas.

 

Nessa hora em que a noite é um templo,

E o firmamento, um altar,

Sob os círios das estrelas

Em silêncio a vi rezar.

 

Na linguagem da saudade,

O coração da palmeira,

Pedia as bênçãos do céu

Para a terra brasileira.

 

 

Em: Barquinhos de Papel: poesias infantis, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1961, pp. 61-62





Caravaggio, nas palavras de Murilo Mendes

2 09 2019

 

 

 

Crucifixion_of_Saint_Peter-Caravaggio_(c.1600).jpgCrucificação de São Pedro, c. 1600

Michelangelo Merisi da Caravaggio (Itália, 1571 – 1610)

óleo sobre tela,  230 x 175 cm

Igreja de Santa Maria do Povo, Roma

 

 

♦ “Michelangelo Merisi dito il  Caravaggio porque nascido em Caravaggio, aldeia da região Bergamasca: aos 16 anos já com a pintura no sangue transfere-se para Roma onde executará obras capitais,  a vocação de Mateus na Igreja de San Luigi de Francesi, Paulo a caminho de Damasco e Pedro crucificado, em Santa Maria del Popolo.

♦  De natureza selvagem irreverente anticonformista, prestigiam-no altos senhores, altas putas, eclesiásticos. Divide-se em rixas discussões de rua taverna bordel. Desafia inimigos a duelo, fere, é ferido.

♦  Ataca a rude matéria da vida. Ajudado pela técnica do claro-escuro inventa a pintura objetiva. O povo participa da ação.  Cresce o gênio do detalhe. O realismo transpõe os esquemas herdados, adianta-se em concisão e intensidade: Caravaggio fixa as coisas na sua consistência corpórea, torna polêmica a luz, que passa do elemento secundário a protagonista.

♦  É um deus, o deus Caravaggio. Entre seus numerosos descendentes, Velásquez e Rembrandt. Qual dos três o maior? Nenhum; os três são maiores.

♦  Caravaggio durante uma rixa mata à força de espada um certo Ranuncio Tommaso, que só por isto é inaugurado. Temendo a fúria pontificia foge para Malta onde o grão-mestre da ordem, Alof de Wignacourt, recebe-o em fasto e lhe empresta dois escravos para segui-lo. Futuramente aparentado a Rimbaud, apesar da glória Caravaggio permanece inadaptável, feroz, surdo ao diálogo. Tateando no claro-escuro, bêbado seminu sem flores vagueia pela Itália.

♦  Praia de Porto Ercole (Toscana). Contrai malária. Perde os papéis de identidade, a bagagem e as telas que trouxera de Malta. Tendo litigado com o grão-mestre, os esbirros deste desencadeiam a vingança. Ferido, golpeado no rosto, grita em vão por socorro. Apostrofa os cães e suas fezes. Michelangelo Merisi dito il  Caravaggio, outrora chama, desespera-se de não poder pintar — escuro demais — o abismo do nada que já desvenda; e — claro de mais — o espaço da própria morte.

 

Em: Transístor, Murilo Mendes, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1980, pp. 214-215.