Largo da Guia em Campina Grande, 2012
Helder Racine (Brasil,contemporâneo)
Largo da Guia em Campina Grande, 2012
Helder Racine (Brasil,contemporâneo)
Paula Brito
[ Fábula de Lachambeaudie]
Reina o estio. — No vale
Lânguida flor emurchece
E chama, p’ra socorrê-la
Uma nuvem, que aparece.
“Tu que do Aquilão nas asas
Vais pelo espaço a correr,
Vê que de calor me abraso,
Vem, não me deixes morrer.
“Com essas águas, que levas
A minha dor, refrigera.”
“— Tenho missão mais sagrada,
Agora não posso — espera.”
Disse e foi-se!… De abrasada
Cai e espira a flor tão bela:
Volta a nuvem e despeja
Quanta água tinha sobre ela…
Era tarde!…
MORALIDADE
Quase sempre
Quando um desditoso chora,
Rara vez no mundo encontra
Remédio ao mal que o devora;
Mas quando sucumbe ao peso
Da desgraça que o persegue,
Mudam-se as cenas — louvores
Então não há quem lhe negue.
Mas que vale esse aparato
Da verdade ou da impostura?
Nem lírios, nem goivos tiram
Os mortos da sepultura.
Em: O Espelho, revista de literatura, modas, indústria e artes, 4 de setembro de 1859, página 21.
Francisco de Paula Brito ( RJ 1809 – RJ 1861) – tipógrafo, editor, jornalista, escritor, poeta, dramaturgo, tradutor e letrista. Foi aprendiz na Tipografia Nacional. Trabalhou em seguida, em 1827 no Jornal do Comércio. Em 1831 passa a livreiro e editor com Tipografia Fluminense de Brito & Cia. Em 1833 lança o jornal O Homem de Cor, primeiro jornal brasileiro contra o preconceito racial. É na sua editora que se forma a “Sociedade Petalógica”, grupo de poetas, compositores, atores, líderes da sociedade, ministros de governo, senadores, jornalistas e médicos que “constituíam movimento romântico de 1840-60” Por outro lado, a tipografia de Paula Brito serviu também de ponto de encontro entre músicos populares [ Laurindo Rabello e Xisto Bahia, por exemplo] e poetas românticos. A combinação produziu muitas parcerias musicais, principalmente no gênero das modinhas, que serviriam de embrião para a música popular urbana, popular no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX.
Obras:
Anônimas, poesia, 1859
O triunfo dos indígenas, teatro, sd
Os sorvetes, teatro, sd
O fidalgo fanfarrão, teatro, sd
A revelação póstuma, conto, 1839
A mãe-irmã, conto, 1839
O Enjeitado, conto
A marmota na Corte, periódico humorístico, 1849
A Maxambomba, teatro
A mulher do Simplício, ou A fluminense exaltada, periódico humorístico, 1832
Ao dezenove de outubro de 1854, dia de S. Pedro de Alcântara, nome de S. M. o Sr. D. Pedro II, poesia
Biblioteca das senhoras, 1859
Elegia à morte de Evaristo Xavier da Veiga, poesia, 1837
Fábulas de Esopo para uso da mocidade, arranjadas em quadrinhas, poesia, 1857
Monumento à memória do brigadeiro Miguel de Frias Vasconcellos e de seu irmão Francisco de Paula, 1859
Norma, teatro, 1844
Oferenda aos brasileiros, sd
Os Puritanos, teatro 1845
Poesias de Francisco de Paula Brito, poesia, 1863
—–
Pierre Lachambeaudie (França, 1807 – 1872) foi um escritor de fábulas francês.
Jorge de Lima
Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: —
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões de rua!
Em: Poesias Completas, Jorge de Lima, vol. I, Rio de Janeiro, Cia. José Aguilar Editora: 1974.p. 62
Hélio Pellegrino
As samambaias
debruçadas no espaço
esplendem seu silêncio.
Que farta verdade
em seu verde farfalha!
Rio, 2/10/1980
Em: Minérios Domados, poesia reunida, Hélio Pellegrino, Rio de Janeiro, Rocco: 1993, p. 47.
A casa amarela, 1888
Vincent Van Gogh (Holanda, 1853 – 1890)
óleo sobre tela
Museu de Van Gogh, Amsterdã
Hélio Pellegrino
Por debaixo de tudo:
diques, dunas, frontões;
Por debaixo de tudo:
nobres pedras, canais
onde remam cisnes;
Por debaixo do mundo
lavra um incêndio.
Amsterdã, 1º/1/1981
Em: Minérios Domados, Hélio Pellegrino, Rio de Janeiro, Rocco:1993, p.39
Jorge de Lima
Relógio, meu amigo, és a Vida em Segundos…
Consulto-te: um segundo! E quem sabe se agora,
Como eu próprio, a pensar, pensará doutros mundos
Alma que filosofa e investiga e labora?
Há de a morte ceifar somas de moribundos.
O relógio trabalha… E um sorri e outro chora,
Nas cavernas, no mar ou nos antros profundos
Ou no abismo que assombra e que assusta e apavora…
Relógio, meu amigo, és o meu companheiro,
Que aos vencidos, aos réus, aos párias e ao morfético
Tem posturas de algoz e gestos de coveiro…
Relógio, meu amigo, as blasfêmias e a prece,
Tudo encerra o segundo, insólito — sintético:
A volúpia do beijo e a mágoa que enlouquece!
Em: Poesias Completas, Jorge de Lima, vol. I, Rio de Janeiro, Cia. José Aguilar Editora: 1974.p. 45
Martins d’Alvarez
Quando nasci, papaizinho
plantou, em nosso quintal,
uma arvorezinha esguia,
para ver qual de nós duas
cresceria mais depressa,
qual mais alta ficaria.
Mamãe cuidava de mim
e papai cuidava da árvore,
toda noite e todo dia.
Mas, enquanto eu engordava,
crescendo para todo lado,
a arvorezinha subia…
Hoje, já estamos crescidas.
Ela bate no telhado…
Eu só alcanço a janela;
mas por vingança, eu me trepo
nos galhos, até ficar
muito mais alta que ela.
Em: O mundo da criança: poemas e rimas: , vol. I, Rio de Janeiro, Delta: 1975, p. 99
O lavrador consciente
Que sabe reflorestar,
Quando tomba uma floresta,
Planta outra em seu lugar.
Em: 1001 Quadrinhas Escolares, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1965
Tropicana I, 1985
Anysio Dantas (Brasil, 1933 – 1990)
serigrafia tiragem 76-100, 89 x 66 cm
Walter Nieble de Freitas
Alta, esguia, majestosa,
De uma beleza sem par,
Contemplo a esbelta palmeiraaaaa
Banhada pelo luar.
A seus pés um lago azul,
Onde em calma ela se mira,
Põe na paisagem noturna
Cintilações de safira.
De longe, chega em surdina
A voz rouca das cascatas:
É a sinfonia dos rios
Soluçando serenatas.
Nessa hora em que a noite é um templo,
E o firmamento, um altar,
Sob os círios das estrelas
Em silêncio a vi rezar.
Na linguagem da saudade,
O coração da palmeira,
Pedia as bênçãos do céu
Para a terra brasileira.
Em: Barquinhos de Papel: poesias infantis, Walter Nieble de Freitas, São Paulo, Difusora Cultural:1961, pp. 61-62
Crucificação de São Pedro, c. 1600
Michelangelo Merisi da Caravaggio (Itália, 1571 – 1610)
óleo sobre tela, 230 x 175 cm
Igreja de Santa Maria do Povo, Roma
♦ “Michelangelo Merisi dito il Caravaggio porque nascido em Caravaggio, aldeia da região Bergamasca: aos 16 anos já com a pintura no sangue transfere-se para Roma onde executará obras capitais, a vocação de Mateus na Igreja de San Luigi de Francesi, Paulo a caminho de Damasco e Pedro crucificado, em Santa Maria del Popolo.
♦ De natureza selvagem irreverente anticonformista, prestigiam-no altos senhores, altas putas, eclesiásticos. Divide-se em rixas discussões de rua taverna bordel. Desafia inimigos a duelo, fere, é ferido.
♦ Ataca a rude matéria da vida. Ajudado pela técnica do claro-escuro inventa a pintura objetiva. O povo participa da ação. Cresce o gênio do detalhe. O realismo transpõe os esquemas herdados, adianta-se em concisão e intensidade: Caravaggio fixa as coisas na sua consistência corpórea, torna polêmica a luz, que passa do elemento secundário a protagonista.
♦ É um deus, o deus Caravaggio. Entre seus numerosos descendentes, Velásquez e Rembrandt. Qual dos três o maior? Nenhum; os três são maiores.
♦ Caravaggio durante uma rixa mata à força de espada um certo Ranuncio Tommaso, que só por isto é inaugurado. Temendo a fúria pontificia foge para Malta onde o grão-mestre da ordem, Alof de Wignacourt, recebe-o em fasto e lhe empresta dois escravos para segui-lo. Futuramente aparentado a Rimbaud, apesar da glória Caravaggio permanece inadaptável, feroz, surdo ao diálogo. Tateando no claro-escuro, bêbado seminu sem flores vagueia pela Itália.
♦ Praia de Porto Ercole (Toscana). Contrai malária. Perde os papéis de identidade, a bagagem e as telas que trouxera de Malta. Tendo litigado com o grão-mestre, os esbirros deste desencadeiam a vingança. Ferido, golpeado no rosto, grita em vão por socorro. Apostrofa os cães e suas fezes. Michelangelo Merisi dito il Caravaggio, outrora chama, desespera-se de não poder pintar — escuro demais — o abismo do nada que já desvenda; e — claro de mais — o espaço da própria morte.
Em: Transístor, Murilo Mendes, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1980, pp. 214-215.