Traduzindo Hannah, de Ronaldo Wrobel, até agora o melhor livro do ano

24 08 2011

Canal do Mangue, Rio de Janeiro, década de 1930.  Flickr — Rio antigamente

Se me coubesse a votação para um prêmio nacional de literatura — melhor livro do ano — ele iria para Traduzindo Hannah de Ronaldo Wrobel [Record:2010].  O livro já foi um dos finalistas, este ano, do Prêmio São Paulo, nessa mesma categoria, quando o vencedor foi  Passageiro do fim do dia de Rubens Figueiredo.  Mesmo assim, continuo convencida de que o romance de Ronaldo Wrobel, escancara as portas para novos rumos da literatura brasileira contemporânea.   O que faz esse livro merecer tanto entusiasmo?  Tema, estilo, narrativa, leveza, humor, ironia e pesquisa. 

O tema é um retrato de grupos de imigrantes judeus que chegaram ao Brasil nas primeiras décadas do século XX, fugidos de desastrosas realidades: guerra, fome, desemprego, perseguição.  Tais como milhares de outros imigrantes, que ao longo dos séculos vieram se estabelecer no país.   Acentuando a narrativa, trazendo-a para o nível de deleite literário, está o estilo de Ronaldo Wrobel, leve e solto, com uma refrescante e fértil maneira de expressão: imagens, figuras de linguagem soam novas, soam belas e vivazes.  Permeando todo o texto há uma leve ironia, um humor fugaz que nos faz sorrir, quase rir em certos trechos sem, no entanto, termos diante de nós nada mais do que a mera e justa comédia humana.  Sua pesquisa foi preciosa, o que tornou fácil imaginar as andanças pelas ruas do Rio de Janeiro, pela Lapa, pelo Catete, pela Praça Onze, mesmo que hoje esses locais sejam tão diferentes. 

A história tem início na década de 1930. Max Kutner sapateiro, imigrante e judeu polonês, que já havia estabelecido uma pequena clientela no centro do Rio de Janeiro, é convocado, durante o governo Vargas, para trabalhar na censura de cartas.   Traduzir do iídiche para o português passa a ser sua segunda ocupação.   Ele se enfronha na intimidade da comunidade judaica através das cartas que traduz.  No processo, também se familiariza com as irmãs, Hannah e Guita, do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, e se interessa em conhecer Hannah.  Quando isso acontece, descobre que ela não era bem a pessoa que ele imaginava ser quando lia sua correspondência. 

Ronaldo Wrobel

Deste momento em diante passamos a uma grande aventura em terras cariocas.  Num ritmo galopante, vamos de espionagem a contra-espionagem.  A cada capítulo uma surpresa e um aprofundamento da trama.  Como num teste de visão, vamos corrigindo nossas lentes, passo a passo, enquanto acompanhamos o progresso de Max Kutner que, como nós, precisa acertar a combinação de lentes para ver, entender, compreender e digerir tudo que o rodeava.  Traduzindo Hannah é uma pequena obra-prima burlesca, inteligente e histórica.  Não deixe de ler.  Um deleite!

UMA ENTREVISTA COM O AUTOR


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7 responses

25 08 2011
Leticia Alves

Adorei a capa! E quando fala de cartas, aí tem minha atenção.
Parece outro livro muito interessante.
Ladyce, vou parar de vir por aqui! (risos)

Beijo!

3 01 2012
Julia

Sem dúvida, trata-se de uma obra muito interessante. Apesar disso, achei injusta a afirmação “escancara as portas para novos rumos da literatura brasileira contemporânea” pois o autor Miguel M. Abrahão, abordando temas históricos e a Era Vargas, já o fizera antes em seu livro A Escola: onde está um, estão todos, que por sinal, detalha com mais precisão o Rio de Janeiro dos anos 30 e as questões políticas que envolveram a época dando vigor ao romance histórico brasileiro.

3 01 2012
peregrinacultural

Júlia, que bom que você leu o livro e que também gostou dele. E sua observação me dá a oportunidade de expandir as minhas notas. Não pensei na pesquisa sobre a Era Vargas, quando disse que esse livro “escancara as portas…”. O que me levou a fazer essa observação foi uma nova maneira de narrar, quase uma volta a um estilo, um aceno literário, digamos assim, às aventuras picarescas de um “Sargento de Milícias”, uma narrativa com irreverência carioca, mas com seriedade de pesquisa, além de, em ocasiões, uma linguagem repleta de imagens novas e sensíveis. Outro aspecto da narrativa que difere do que mais recentemente tenho visto na literatura brasileira é a escolha de retratar fatos condenáveis sem no entanto nos fazer ter “dó ou pena”, enfim, sem fazer do leitor um aliado a contragosto do sofrimento que muitos dos personagens deveriam ter passado. A narrativa, que vai mudando no compasso do leitor, que compreende mais e mais, assim como Max, de choque em choque, aquilo que o rodeia, como se mexessemos nas peças de um caleidoscópio, enriquece o texto, capturando a nossa imaginação enquanto nos lembra que é assim mesmo que vemos o mundo, que sabemos de uma realidade: cada qual com uma visão e uma interpretação diferentes dos fatos. Sobre essa última característica, o livro que li mais recentemente, brasileiro, que mostra de outra maneira, a mesma necessidade de mantermos em foco a “multiplicidade de realidades” de cada fato, foi A Mulher de Vermelhho e Branco do Contardo Calligaris, mas de maneira diversa. São essas as características que ao meu ver “abrem portas” que não andavam bastante exploradas pelos nossos escritores contemporâneos. Obrigada pela resposta à postagem. E volte sempre.

5 01 2012
Ana

Boa noite! Coincidentemente ou não postei ontem um desabafo bastante cético sobre Blogs literários escritos por jovens nesses últimos dias(http://www.literal.com.br/artigos/nao-sou-de-outra-geracao-nem-senil-sou-realista-1). E foi de uma felicidade, eventualmente, deparar-me com o seu, hoje. Lendo os artigos, encontrei textos de qualidade abordando livros que tem seu valor(posso até não ser tão generosa com algum dos autores que apresenta, é verdade) que se fosse comum na rede desmontariam todo o meu desabafo no artigo cuja ligação transcrevi acima. Também achei muito interessante, acima, a sua resposta para a leitora Julia. Mostra o seus discernimento e sua honestidade com o interesse cultural. Por outro lado, vejo que a moça tem certa razão. Abrahão é um dos meus autores universais favoritos no tocante aos romances históricos. No caso dele, atualmente, pouca coisa de sua autoria tem sido publicada. Nem sei se ainda continua a escrever, mas o que pude encontrar de sua obra prolixa justificam a premissa de sua leitora Julia. Por sinal, até sugiro uma entrevista com ele para o seu site, o que seria bastante interessante para leitoras como eu (isto é, se conseguir, pois parece que Abrahão é avesso a entrevistas ou qualquer coisa que resvale para o seu lado pessoal). No mais, agradeço a você pela qualidade de textos tão pouco vista em sites ou Blogs literários como esta que você me ofereceu. Parabéns.

5 01 2012
peregrinacultural

Ana, que prazer ter a sua visita e opinião registradas por aqui. Vou respondê-la aqui não só ao seu comentário como à sua postagem no blog cujo link está acima.

Em dezembro comemorei 9 anos de retorno ao Rio de Janeiro, depois de décadas fora do Brasil. Em 2002 eu tinha sobrinhos adolescentes e pré-adolescentes que precisavam de alguma direção no setor leitura. E eu também havia que me familiarizar com o que se escrevia por aqui. Por mais que viesse ao Brasil uma ou duas vezes por ano, e comprasse livros de autores brasileiros, não há como a gente saber a cena literária sem aquele boca a boca de amigos que também são leitores.

Inicialmente foi grande a dificuldade de escolha, de textos que estivessem fora do círculo da moda, para que eu pudesse começar a sentir a produção brasileira e pudesse sugerir títulos e conversar com os meus sobrinhos sobre suas leituras. A dificuldade, nascida da minha ignorância, foi aumentada pelos modismos cariocas. O Rio de Janeiro cultural sempre foi dado a modismos: há uma pequena população que se interessa pela cultura e muitos caciques. A moda impera no gosto, no que é lido, no que ganha a imprensa, no que é considerado bom e no que é ignorado. É verdade, que isso acontece no mundo inteiro. Mas em outras terras, porque o básico da cultura é disseminado ainda na escola, antes mesmo de se entrar para a universidade, há uma maior pluralidade quando gostos e opiniões são formados — elementos que não deixam os modismos ficarem tão prevalentes. [Nota de alarme para mim foi ver que recentemente houve um movimento aqui no Brasil para tirarmos alguns clássicos da literatura como Alencar e J. Manuel de Macedo das escolas, porque o vocabulário e o assunto não entusiasmavam os alunos. Nos EUA, para dar um exemplo, os “chatos” dos século XVIII XIX, Washington Irving, Fenimore Cooper, Emerson, Hawthorne entre outros são ensinados sem questionamentos com todos os vocábulos arcaicos que lhes são característicos.]

Sou uma leitora eclética e fui assim através da minha formação. Costumo dizer que se algo tinha letras, era devorado… Apesar de ter começado um curso de letras, acabei seguindo uma paixão maior pela história da arte e mais tarde pela história da cultura ocidental. E esse blog veio a existir quase como um diálogo entre o que eu lia e o que os meus sobrinhos poderiam vir a ter algum interesse em ler. Mas ao longo do caminho – são quase 4 anos agora – fui percebendo que uma parte dos meus leitores, formada por professores do ensino médio, pedia acesso a textos que pudessem ser usados na sala de aula, tanto na ala literária quanto na cobertura de história, arqueologia, antropologia, etc e com o passar do tempo o blog ficou com a cara de “o que li hoje”.

Ao longo do caminho posto as minhas opiniões sobre livros e estas têm me levado ao contato pessoal com muitos dos escritores que resenho, mesmo com os estrangeiros. Concordo com você que o que se passa por “resenha” literária na internet é curioso. A maioria – você tem razão quando diz que a maioria é muito jovem – chega até a simplesmente postar sinopses intercaladas por uma ou duas frases com a opinião – “essa passagem é boa!”, “dá medo mas é interessante” ou o que seja.

Participo do site Skoob, onde posto minhas resenhas e mostro o que estou lendo etc., e observando o portal dá para ver que o usuário da internet no Brasil é realmente muito jovem e inexperiente. Acredito, no entanto que muito do que é lido pelos adolescentes tem o valor de acostumá-los à leitura. Recentemente tive em minha casa um rapaz de 26 anos, amigo da família, que veio ao Rio de Janeiro pela 1ª vez. É original do interior do estado de São Paulo. É publicitário – dois anos de formado — e um bom leitor. Fiquei surpresa quando ele me disse que até os 16 anos não lia, e que seu interesse pela leitura começou com o Harry Potter. Hoje é um leitor bastante dedicado, tendo passado pelos clássicos russos e alguns brasileiros. Esse rapaz teve a sorte de ter sido bem guiado por uma professora.

Há de se fazer concessões para que o interesse não esmoreça. Uma de minhas sobrinhas, por exemplo, que hoje está no 3º ano de direito, tinha um fraco por CHICK LIT. Como mentora, nunca critiquei aquela preferência [também porque acredito que tudo tem o seu momento. Se você está indo à praia, pegar sol e ler, é natural que queira um livro que engaje muito pouco do seu intelecto…] mas aos poucos fui percebendo o que nessa literatura a interessava e sugerindo assim como dando de presente títulos que pudessem abrir seus horizontes. Funcionou.

Na educação, na leitura, tudo tem o seu momento. O que é mais difícil é ter-se um amigo, um mentor, que dê espaço para as diferenças e ao mesmo tempo mostre alguns dos caminhos que possam ser tomados. É o que tenho procurado fazer.

Um grande abraço, e volte sempre,

6 01 2012
Ana

Diante de tão alvissareira resposta, concedida com maestria e gentileza, pode estar certa, minha doce amiga, que visitarei sempre este seu Blog que tanto contribui com informações e textos adoráveis.
Abraços fraternais

17 11 2014
Amarildo Gomes

Oi Ronaldo, li alguns dos seus fantásticos livros e por proposito do acaso acabei de ganhar de presente de um amigo este seu livro, vou ler esperando me surpreender como nos outros.
Com afeto
Amarildo

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