Cosimo de Medici, memórias de um líder renascentista, onde o passado e presente se falam

25 11 2012

Retrato póstumo de Cosimo de Medici, o velho, 1518

[Cosimo de Medici 1389-1464]

Jacopo Pontomo (Pontorme, 1494- Florença, 1557)

óleo sobre tela, 86 x 65 cm

Galeria Uffizi, Florença

Fiquei encantada com a leitura de Cosimo de Medici, memórias de um líder renascentista, de Luiz Felipe D’Ávila,  onde encontrei um autor  que através da ficção de memórias  foi capaz de transmitir,  de maneira fascinante e eficaz,  a vida diária de Florença no início do período renascentista. Cosimo viveu de 1389 a 1464 e foi o patriarca da influente família de banqueiros de Florença, que teve muitas vezes o destino da história ocidental nas mãos por bem mais de dois séculos.

Escrever sobre qualquer um dos Medici poderia ser simplesmente a repetição de toda a pesquisa já feita sobre os membros da família.  Historiadores do mundo inteiro já passaram horas debruçados sobre suas vidas.  No entanto, uma coisa deliciosa sobre esta narrativa é a contemporaneidade das preocupações de Cosimo, que se encontra,  escolhendo entre opções muito semelhantes as que fazemos nos dias de hoje.

Quando eu ainda ensinava história da arte na universidade eu abria o período da civilização romana, com afirmações de efeito e para chamar atenção dos alunos, mas que tinham muito de verdade.  Dizia: “olhem bem para esta cidade romana: tem edifícios de apartamentos, tem sistema de água e esgotos, tem mercados, tem ruas.  Desde os  romanos, nada mudou.  Continuamos a construir cidades da mesma forma que eles faziam. Tantos séculos já se passaram, o que é que vocês vão fazer para mostrar que aprendemos alguma coisa nesse tempo todo?”  É claro que inicialmente os alunos achavam que este exagero era demasiado, mas à medida que o semestre  passava e as aulas se aprofundavam, os paralelos entre o que viam e o que tínhamos no nosso dia a dia se intensificavam, para descrença de todos.

Assim como a beleza está nos olhos de quem vê, a história esta nos olhos de quem se volta para o passado.  Ler historiadores do século XIX , de meados do século XX e contemporâneos ilustra a subjetividade da história, que se mostra tão precisa quanto um livro de memórias.  Mas isso não invalida o estudo.  Pelo contrário, mostra as forças filosóficas que esculpiram a maneira de pensar de historiadores e de seu tempo, e mostra, sobretudo, o ser humano.  Verdade não existe.  É relativa.   Assim, a contemporaneidade de um momento histórico é parte da seleção feita por aquele historiador.

A fascinante contemporaneidade de  Cosimo de Medici, memórias de um líder renascentista, é parte da reflexão do nosso momento sobre o passado.  Isso dá relevância à leitura, porque podemos nos ver, ver onde poderíamos mudar: o que já deu ou não certo.  A vida no século XV era muito semelhante a que vivemos hoje, dadas as devidas proporções.  E não são poucas as passagens em que podemos fazer um paralelo direto.  Encontramos também sábios conselhos de Cosimo, que se usados por nós, hoje, ainda seriam de grande valia. Vejamos como a passagem seguinte, onde o autor explica a movimentação econômica na “Wall Street” de Florença, a Porta Rossa:

Na rua Porta Rossa, os comerciantes levantam empréstimos,descontam cartas de crédito, trocam mercadorias por dinheiro, recebem e pagam contas, requisitam os serviços dos bancos para intermediar a compra e venda de vários produtos, tais como livros, seda, lã, jóias, escravos e animais. As conversas e transações com os nossos clientes são excelente indicadores sobre os negócios, a política e as oportunidades comerciais existentes nas cidades e países em que atuamos”.

Luiz Felipe D’Ávila

Mais além a sabedoria de quem administrava um dos mais importantes bancos da história:

A ostentação e a vaidade exagerada refletem certo desvio de caráter. Ela é uma  manifestação de um espírito volúvel e escravizado pelos desejos. Não me recordo de ter conhecido pessoas honestas e confiáveis que gostam da ostentação ou que são extremamente vaidosas. No banco, os clientes que mais nos preocupam são aqueles que adoram ostentar.  Costumam se endividar para satisfazer suas vaidades e alimentar os seus vícios, ignorando a capacidade de  honrar os seus empréstimos. Na política são atraídos pelo poder e não pelo senso do dever;  são pessoas voláteis que mudam de opinião e de lado conforme os seus interesses imediatistas.  Por isso são facilmente seduzidas e corrompidas.  Toda vaidade tem um preço; ela é o calcanhar-de-aquiles do ser humano”.

Perdoem-me a obviedade, mas estávamos descrevendo os nossos políticos?

Voltando ao livro de Luiz Felipe D’Ávila: é uma jóia.  Pouco difundido.  Precisava ter tido mais marketing.  Publicado em 2008 só agora chegou às minhas mãos, e ainda por acaso. É uma pena.  Qualquer um interessado em história, em uma boa narrativa, e em saber mais dessa família de banqueiros; qualquer um que se interesse em saber sobre as comissões artísticas de muitas das obras de arte da Renascença italiana, que fazem parte do nosso arquivo visual da época,  tem o dever de prestigiar esse pesquisador brasileiro.  Foi um prazer ler estas 150 páginas ricamente ilustradas.


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2 responses

25 11 2012
Sonia Souza (@KalyaK)

Você já leu “O magnífico”?

25 11 2012
peregrinacultural

Não Sonia, ainda não li. è sobre Lorenzo não é? Agora está na lista… Obrigada pela lembrança.

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