Cliente em restaurante de Patópolis, ilustração Disney.
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Ano passado tive a mão direita enfaixada e na tipóia por 20 dias. A todo lugar que ia, precisava de ajuda. Por causa disso vi-me em conversas variadas com quem quer que me auxiliasse no banco, nos correios, no restaurante, supermercado, taxi, elevador, portão, ônibus. O povo carioca é muito gentil e engrena um papo num minuto, sem quaisquer restrições de sexo, idade, cor, classe social. Todos sofrem irmãmente com você e se não tiveram uma experiência igual a sua, alguém da família teve. A solidariedade é grande e a comiseração imediata. Foram 3 semanas de bate-papos, em que aprendi muito sobre jovens trabalhadores, calorosos e gentis, de boa índole, mas com pouca instrução, que passam os dias fazendo entregas de supermercados e farmácias, limpando mesas de restaurantes, trabalhando nos caixas das quitandas. Jovens entregues ao setor de serviços na categoria que exige o menor conhecimento técnico. A maioria vinha de famílias modestas e não passava dos 25 anos. Fiquei impressionada com a ingenuidade e o desconhecimento cultural deles como um grupo, uma geração, digamos.
Nas conversas vi uma geração inteira, esquecida e despreparada. Exemplos abundam. A mocinha garconete do restaurante a quilo; o rapaz que abriu um refrigerante em lata, o entregador da farmácia. A cada um deles expliquei sobre o desgaste dos meus tendões por uso do computador. Invariavelmente a conversa versava sobre computadores. Todos diziam gostar muito de computadores. Gostam do Orkut, do MSN, que usam para zoar os amigos, trocar piadas, fotos, juras de amor e de jogos, pricipalmente “aquele de dirigir um carro”, definitivamente o mais popular.
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Valdirene, uma das jovens trabalhando no caixa de um supermercado foi a única que me confessou querer sair daquele emprego. Os outros não tinham idéia do que fazer mais tarde, daí a uns 5 anos, por exemplo. Valdirene queria fazer o curso de auxiliar de enfermagem para poder trabalhar como acompanhante de pessoas idosas. “Não precisa diploma”, ela se apressou a me dizer, “mas com um, a gente pode pedir um pouco mais…” Ela também — A-DO-RA! — computadores, vota no BBB, conversa com amigos no MSN, baixa músicas e troca fotografias com as colegas, que tira com o telefone celeular. Gosta das fofocas da televisão. Valdirene aos 23 anos já tem um filho na escola e nenhum marido.
Histórias como essas, todos nós conhecemos. São milhares no Rio de Janeiro e alguns milhões no país. Impressiona a falta de perspectiva de trabalho e de um futuro com uma vida plena. E infelizmente com a taxa de natalidade alta, é uma realidade que se multiplica. Como será a vida do filho de Valdirene? Com a crise na Tunísia e o artigo de Thomas Friedman que li no New York Times: China, Twitter and 20-year olds vs. The Pyramids, publicado no sábado, o assunto voltou a me preocupar. Essa combinação de sub-emprego e de desconhecimento me lembra da necessidade de termos escolas- relevantes. Ou seja, uma escola que prepare o jovem para uma profissão que lhe dê interesse na vida, um interesse intelectual mínimo. Além é claro de um sustento. Caixa de super-mercado, entregador de compras não são profissões, são castas.
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Zé Carioca ri dos empregos oferecidos no jornal. Ilustração Disney.
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Thomas Friedman tem nos avisado há tempos das diferenças do mundo de hoje para o do século passado. Seu livro O Mundo é Plano: uma breve história do século XXI já deveria há muito tempo ter alarmado e alertado a todos nós para os problemas que as falhas do nosso sistema de educação, aqui no Brasil, trariam se não tomássemos decisões radicais, imediatamente. Mas alguns anos se passaram, quem leu o livro se assustou, comentou, mas nada fez. E tudo acabou diluído, como se a realidade ali descrita só afetasse aos outros, que o Brasil, terra abençoada, estava seguro. Não é o caso. Agora, Friedman nos lembra, nessa excelente coluna de sábado, que é justamente a frustração de jovens aos 20 anos, desempregados ou sem futuro, que está fazendo governo após governo do Norte da África, do Egito ao Oriente Médio tremer. E cair. Não há e não haverá mais, no futuro próximo, lugar para ditadores que determinem o que as pessoas possam ou não saber. Não há mais lugar para o plantio e o cultivo da ignorância. E há de haver uma maneira de se pensar empregos decentes.
Uma combinação de fatores intrigantes e combinados levam às revoluções que presenciamos: a maneira de nos comunicarmos está cada vez mais rápida e mais fácil; a falta de perspectiva de uma vida com emprego para os formados e os não formados; o custo dos alimentos e outros produtos essenciais que tendem a subir a medida que a China e a Índia crescem e precisam de mais e mais grãos, açúcar, minério de ferro, petróleo e todos os outros ingredientes necessários ao bem estar de 1.324.655.000 de chineses e na Índia 1.147.995.898, pessoas.
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Dona Marocas dá uma prova no primeiro dia de aula de Chico Bento, ilustração Maurício de Sousa.
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Nesse meio tempo, no Brasil, debatemos o que fazer sobre a educação. Com exemplos vergonhosos na admnistração do MEC, — o caso do ENEM é só a cereja do bolo — que demonstram não só o contínuo descaso com o cidadão mas a ineptitude das admnistrações que vêm e que vão, vemos que tudo não passa de blá, blá, blá. Se pensarmos no que um ano — só 2010 — de noticário nos indica, a realidade é cruel demais para palavras: diplomas comprados a escolas inexistentes, falta de manutenção nas escolas, que têm goteiras nos dias de chuva e temperaturas de 40ºC dentro da sala de aula; computadores fechados à chave nas escolas por falta de quem saiba usá-los; escolas sem bibliotecas, sem laboratórios, sem água, sem giz, sem papel-higiênico; drogas e armas; violência de alunos contra profesores e vice-versa; greves e mais greves de professores, de alunos. Não dá para se imaginar, nem por devaneio, que haja interesse de qualquer governo em melhorar a educação no país.
Mas parece que achamos uma solução universal para os nossos problemas. A nossa solução para as futuras gerações é um computador para cada aluno como planeja o governo federal. Maravilhoso! Não sou contra a democratização da computação. Muito pelo contrário. Mas se não conseguirmos ensinar a pensar, o aluno não ganhará nada além de mais uma “maquininha de relacionamentos” que facilita a troca de recados amorosos ou picantes, “a espiadinha” num programa de televisão, na vida do vizinho, os encontros da torcida de futebol. O computador, todos nós sabemos, não resolverá nada, se os alunos não souberem fazer as perguntas necessárias, se não souberem consultar a imensa quantidade de informações a que podem ter acesso.
Meu problema com a solução do computador por aluno é a falsa sensação de que se está resolvendo o caos da educação. Conheço professores que não conseguem ainda assimilar bem o uso do computador para seu próprio benefício. O que acontecerá quando esses professores tiverem que incluir em suas aulas os computadores do governo? Além disso, quem fará a manutenção desses computadores?
O computador é uma excelente FERRAMENTA de ensino, mas sozinho com o aluno, o que irá trazer para o dia a dia é a fofoca da classe, as fotos dos colegas na piscina, o resultado do futebol. Não tenho nada contra seu uso como entretenimento. Entretenimento faz parte da vida. Mas será que os nossos computadores virão com uma programação para que se aprenda a pensar? Espero que sim. Pois do contrário, estaremos não só nos enganando como enganando mais uma vez uma geração inteira de jovens que continuarão sem futuro, sub-empregados, sem motivação, gerando cada vez mais crianças para um futuro semelhante ou pior.
Muito interessante sua colocação. Mais uma vez me convenço de que a gênese do caos neste país é o descaso com que a educação é tratada. Mas o descaso é proposial. É muito mais fácil governar um povo que não sabe pensar, argumentar, criticar. Há muitas propagandas bonitas na Tv, financiadas pelo governo, mostrando a importância da educação para o país, a importância da leitura, a importância do professor, etc etc etc. Pura demagogia. Só quem está em sala sabe o que enfrenta. Baixo salário (aliás, um salário ridículo), sobrecarga de trabalho, violência física e psicológica por parte de alunos, falta de material e estrutura adequada, falta de apoio das famílias dos alunos, que exigem do professor, aquilo que eles não conseguiram dar em casa: educação e noção valores. Não sei o que será dessa geração alienada, que não tem perspectiva de futuro. Me sinto impotente e triste com esta realidade, que parece piorar cada vez mais.
Um abraço,
Juli
Quando puder, visite: http://www.bagagensdajuli.blogspot.com/
Juliana, muito obrigada pela leitura do texto e pela sua participação nesse debate sobre a educação. Você tem razão: que o governo nos dá — todos, não só o atual mas os anteriores também — a idéia de que a educação é propositadamente relegada ao último lugar. O governo age como se a melhoria financeira-social independesse da educação, quando o contrário é a norma. Tenho tido meus dias de grande desapontamento com o descaso com que a educação é tratada. Sou filha de professores, casei-me com um professor universitário e fui professora por muito anos — apesar de ao longo do tempo ter deixado a profissão por outras razões. Recentemente, depois de voltar ao Brasil, fui chamada para ensinar numa considerada escola particular do Rio de Janeiro e não só pude sentir no bolso e na pele o salário completamente díspare em realção aos anos de experiência e de estudo, como ainda tive que esperar seis meses para ser paga, porque “não havia dinheiro na escola”. O pagamento só veio quando ameacei a levá-los à Justiça, lembrando que a justiça trabalhista iria se encarregar de fechar a escola, caso eu entrasse com um processo contra eles. Fui paga em 24 horas. Parece coisa do teatro do absurdo, mas é a verdade. Um abraço, Ladyce