Tamara Natalie Madden (Jamaica, contemporânea)
técnica mista
Este é a quinta obra de José Eduardo Agualusa que leio. O vendedor de passados, Teoria geral do esquecimento, Manual prático da levitação e Um estranho em Goa foram livros deliciosos que misturavam um tanto de fantasia com realidade, num estilo típico do autor. As mulheres do meu pai toma um caminho um pouco diferente: a obra inteira é escrita na linha fronteiriça entre o sonho e a realidade. Agualusa trabalha como psicopompo guiando o leitor entre o mundo interior e o exterior.
O meio é uma viagem. Laurentina, uma diretora de cinema, decide fazer um documentário sobre a vida do falecido pai, famoso músico angolano, que ao morrer deixou sete viúvas e dezoito filhos. Sai com sua equipe à procura das viúvase dos passos e eventos marcantes na vida de Faustino Manso. Para tanto precisa viajar de Angola a Moçambique passando por todo o sul do continente africano. O próprio título já se mostra um tanto fantástico instalando a incredulidade linear e aristotélica no leitor ocidental. “Como mulheres de meu pai? Como sete viúvas?”
A proposta é genial e permite que Agualusa mostre a variedade cultural ao sul do continente que sofre da visão ocidental de considerá-lo um todo, único, sólido e imutável, quer as pessoas retratadas estejam no norte, no centro ou no sul. E ainda faz mais, Agualusa mostra o contraste entre duas ex-colônias portuguesas em lados opostos do continente.
No entanto, o que mais impressiona o leitor é a destreza com que somos levados do onírico ao tangível com facilidade e garbo. Vinhetas de viagem são uma das maneiras de narrar; outras são as histórias contadas oralmente aos viajantes; outra ainda é a maneira particular de julgamento entre o importante e o trivial dos personagens encontrados ao longo dessa excursão. Ao fim viajamos todos, dentro e fora de nós mesmos, marchando de maneira inclemente na fronteira entre a divagação e a realidade.
José Eduardo Agualusa
Enquanto reconstruimos os passos de Faustino Manso somos expostos ao lirismo do autor, à poesia africana. As mulheres de meu pai é, como o próprio nome indica, plural. A narrativa se vale de diversas formas da escrita de poemas a cartas, histórias contadas à reflexão do viajante e consegue ao final, com cada retalho a que somos apresentados, formar uma grande colcha de retalhos abraçando a multiplicidade do continente e fazendo com ela uma única obra, espiritual e confortadora.
Belíssimo trabalho.
PS: Esta resenha foi re-editada no dia 7/8/2016.
Isso, Ladyce!! Vejo em Agualusa e em Mia Couto excelentes aulas de sociologia e ou história da África. Também gostei muito desse livro.
Pois é. Ainda prefiro Agualusa a Mia Couto, é uma questão de preferência, acredito, o vocabulário de Mia Couto me cansa um pouco. Mas ambos trazem um ar de frescor na literatura em português, inigualável. Gosto bastante de Ondjaki também.
Gostei do que li de Ondjaki, excetuando “há prendisajens com o xão”. Meu mais recente Mia Couto foi Poesias Reunidas que achei lindo. Agualusa tem um bem maluquinho que eu adorei: A Vida No Céu, quer ler?
Se eu puder ler mais tarde no ano… no momento minhas leituras estão em total demanda do meu tempo… e eu adoro!