Leitura é mágica!

9 05 2024
Ilustração William Joyce (EUA, 1959).





Os livros dos últimos vinte e poucos anos!

5 05 2024

Esconde esconde literário

Camille Engel (EUA, contemporânea)

óleo sobre madeira, 30 x 35 cm

 

 

 

PARTE UM

 

 

 

Listas, listas, listas de livros quem não as ama?  Uma coincidência hoje em fez com que eu passasse a tarde refletindo sobre livros lidos e listas de livros.  Uma amiga me mandou um artigo do The New York Times, [Book Review’s  Best Books Since 2000– Looking for your next great read? We’ve got 3,228. Explore the best from chosen by our editors] e como não poderia deixar de ser, fui investigar que livros eles consideraram os melhores de duas décadas e meia no século XXI.  E será que os meus favoritos estariam nesta lista?  Vou levar vocês às coisas sobre as quais rumino neste fim de semana.

Tenho refletido muito sobre escolha de livros, sobre o quanto me transformei numa pessoa mais exigente e sem paciência para algumas narrativas.  E avaliei durante este mês de abril, quando meu primeiro grupo de leitura, Papalivros, chegou à sua maioridade, 21 anos de existência, se vale a pena continuar.  Tenho considerado o desempenho do grupo, mas principalmente o meu desempenho como organizadora, porque vinte e um anos são uma geração inteira, e o mundo mudou nestas duas décadas. O mundo mudou, mudei eu e mudaram os membros.  O grupo, hoje, já não está mais tão alerta, mais tão energético quanto era.  Basta ver a maior similaridade daquilo que lemos com a lista dos favoritos dos editores do NYT. Estávamos mais engajados no passado. E me pergunto se vale a pena continuar, com o grupo nos termos estabelecidos, tanto para mim como para os membros. Uma coisa é certa: há uma alteração óbvia nos três grupos que organizo.  Há um afastamento, um relaxamento depois da pandemia.  Nenhum dos grupos é o mesmo. Nem eles são do mesmo tamanho. O comportamento das pessoas mudou. Considero portanto o que poderia ser feito para que o grupo continuasse com mais interesse e mais curiosidade pela leitura.

O modelo que escolhi em 2003 foi uma adaptação carioca de grupos de leitura que frequentei, mais que um, em diversas cidades americanas, nas décadas que morei fora do Brasil. Lá, talvez porque o hábito da leitura já esteja absorvido, há uma naturalidade nos encontros que não acontece aqui. Lá os grupos são mistos, aqui os homens que entraram desistiram.  Os encontros são nas casas das pessoas, em rotatividade, sempre.  Nunca participei de um grupo de leitura que se encontrasse em lugar público. Estabelece-se um horário, sempre dia da semana, sempre à noite.  O americano janta cedo, de modo que 20 horas é um horário que todos têm livre e já é depois do jantar.  Os encontros são cada vez na casa de um membro.  Dependendo do grupo, aquele membro oferece um café, chá, alguns biscoitos, talvez um bolo.  Ninguém vai “para comer ou beber”, comer ou beber é secundário. Outros grupos funcionam com “potluck” cada membro traz uma coisa de comes e bebes ou alguém fica responsável pelos biscoitos ou por assar um bolo para aquele encontro.  Todo americano sabe cozinhar: homem ou mulher, ou sabe comprar (muito mais raro) algum biscoito especial, e traz uma garrafa de vinho,  Mas a atenção é no livro, nas leituras, na troca de experiências literárias ou pessoais. O americano também fala no seu turno, acho que essa é uma diferença fundamental aprendida na escola quando crianças e adolescentes aprendem a organizar grupos e a aceitar propostas, a votar nelas. Eles aprendem desde cedo a seguirem a Robert’s Rules of Order, algo de que nunca ouvi falar no Brasil, mas que todo americano conhece e segue. Sendo assim, um americano nunca atrapalha o outro ou corta o outro na fala.  Esse hábito não é mantido por aqui, linhas de argumentação se perdem e frequentemente conversas paralelas surgem,  o que põe qualquer troca de ideias a perder.  Esse é verdadeiramente um hábito carioca, cultural, ao qual não consigo me acostumar.  Lá, o assunto revolve sobre o livro, o tema abordado, a vida do escritor, que mais aquele escritor publicou. “E vocês viram o artigo… no NYT, ou no Post, ou no N&O?” E como e se aquilo reflete no que você conhece da sua vida.  Por volta das 22 horas todos mais ou menos se preparam para ir embora, todos trabalham no dia seguinte.  Antes,  um novo livro foi acordado para o próximo mês.  Neste aspecto os americanos são bem mais participativos do que os cariocas.  Não sei bem porque.

 

 

 

A mesa, 1928

Georges Braque (França, 1882-1963)

óleo sobre tela, 81 x 131 cm

National Gallery, Washington DC

 

 

 

A adaptação que fiz para o Rio de Janeiro foi principalmente o ajuste do local de encontro.  Inicialmente, nos primeiros seis anos, os encontros foram na minha moradia. Ainda mantenho o hábito de receber, gosto de juntar amigos. Gosto de fazer pratos especiais.  Mas o carioca está acostumado a se encontrar fora de casa, no bar, no restaurante. Portanto, quando me mudei para um apartamento menor, as reuniões passaram a ser feitas em restaurantes. Nessa época o grupo tinha 14 membros  Os problemas se intensificaram: a conversa sobre o livro é sempre interrompida por pedidos de mais uma laranjada… gelo… e a minha ordem?  Pode trazer o sal, por favor?  Fulana, você já experimentou o pastel?  É bom?  Ah, eu não posso comer …  aqui não tem nada que eu possa comer… a atenção não se mantém no livro. Conversas paralelas surgem numa fração de segundos.  O assunto gerado pelo livro é abortado. É difícil manter a atenção dos participantes. 

Esta pequena mudança de um ambiente fechado para um ambiente público foi determinante no comportamento dos participantes. Mudou. O grupo se tornou menos dedicado às trocas de ideias sobre a leitura e mais inclinado a escapulir da agenda a qualquer momento.  Poucas vezes alguém cuida de trazer um artigo sobre o livro, sobre o escritor, até mesmo sobre o país em que a trama se desenvolve.  As conversas empobreceram.  E, houve um agravante pior:  nos sujeitamos à troca de lugares de encontro, a mercê da economia local.  Se a economia na cidade ia bem, podíamos contar com a estabilidade dos locais de encontro.  No momento em que a economia ia mal também nós sofríamos. A lanchonete onde nos encontrávamos fechou, o café que a substituiu, fechou, fomos para um restaurante tradicional, tivemos problemas: não queriam servir só salgados ou coisas rápidas; mudamos para outro restaurante mais tradicional que não nos recebeu mal mas a sala especial no terceiro andar, que haviam nos prometido não pode ser acionada depois da segunda vez que nos encontramos lá, porque a receita não era grande suficiente para eles nos abrirem o local.  Nossos encontros de domingo à tarde (horário estabelecido pelos participantes) sempre têm pessoas que almoçam tarde e não querem comer nada. Nenhum restaurante pode segurar lugares sem receita por duas ou duas horas e meia.  Até que este mesmo restaurante, que nos abrigou, fechou para obras e nem nos avisou!  Fomos para outro lugar.  Mas a luta continua sempre:  ou não consumimos o suficiente, ou não há lugares para dez pessoas. Não há acesso para deficientes. Muito barulho.  Muita música alta ou o som da televisão com o futebol não pode ser baixado.  Tudo contribui para dispersão, para falta de atenção dos componentes do grupo, mesmo aqueles que estão verdadeiramente interessados. Durante a pandemia, o grupo diminuiu de tamanho.  Os encontros foram online.  Muitos acharam que não valia a pena.  Quando voltamos ao encontro presencial, nem sempre todos aparecem. A presença varia muito, como se tivéssemos perdido o hábito. Como se a leitura e sua discussão não tivesse mais lugar, a não ser como um aposto, um extra e não um compromisso.  Ultimamente só uma ou duas pessoas se interessam de sugerir leituras.  Tem sido uma decepção.  Então, desde meados de abril, me pergunto se vale a pena o esforço de manter o grupo.  Se não é hora de fechar.  As amizades que se formaram devem perdurar. Afinal, tudo tem seu tempo. 21 anos já é uma vitória!

 

 

 

Natureza morta com fruteira na mesa, 1914-15

Pablo Picasso (Espanha, 1881-1973)

óleo sobre tela, 64 x 80 cm

Colombus Art Museum, Ohio

 

 

Aí vejo a lista dos melhores livros destas duas décadas e meia do século XXI, publicada pelo The New York Times. E quando já estava praticamente decidida a ter a última reunião do Papalivros neste mês de maio, faço a listagem dos livros selecionados por eles.  Comparo com a nossa lista de leitura e começo a reconsiderar.

Venho de uma família de leitores.  Todos liam na família, pais, avós, tios, tias.  Houve uma única vez, uma restrição a um livro que eu queria ler e minha mãe recusou.  Era Trópico de Câncer,  de Henry Miller.  Eu tinha 15 anos.  Isso ficou marcado para mim.  Mas meus pais acreditavam em deixar que nós escolhêssemos o que iríamos ler.  Nunca, a não ser na escola, fomos requisitados a ler alguma coisa. Essa tradição eu trouxe para o grupo. E muitas vezes leio o que jamais escolheria na livraria,  Às vezes tenho boas surpresas, outras simples confirmações de que não era um livro para mim.  Também nunca me considerei uma especialista em literatura mas fica claro, para mim, que sou uma pessoa que já leu muito mais do que a maioria e muitas vezes me calo.  Não há pecado maior do que mostrar conhecimento em certos momentos.  Mas, agora me pergunto, e se eu fosse um pouco mais incisiva sobre os livros que fôssemos ler?  Ou, e se eu pedisse maior envolvimento destes leitores com as obras escolhidas?  Porque quando comparo o que lemos nesses últimos 21 anos com a lista do NYT, temos muita coisa em comum.  Um grande número de acertos mesmo em se tratando de livros que precisam de tradução e portanto aparecem no Brasil, mais tarde.   Vou pensar melhor amanhã.  Obrigada por me acompanharem neste solilóquio.





Quem sou?

4 04 2024

 

 

Há um pouco mais de um ano faço um curso com Dany Sakugawa de marketing editorial.  Aprendi muito com ela e confesso que estou aprendendo, ainda faço parte de seu grupo.  Seu curso não só me ajudou a me ver mais como escritora, que sou, como me deu impulso de sair da concha em que me fechei depois de ficar viúva. Dentre inúmeros exercícios que são aconselhados fazermos estava este, da nossa foto ou grande ou pequena, com palavras chave para indicarmos aos nossos leitores quem somos.

Vocês que me seguem aqui no blog, e são alguns milhares por dia, sabem que não sou muito de falar de mim mesma, de anunciar isto ou aquilo, só o faço quase sob pressão.  Nos últimos dois anos tenho feito isso, instigada pelo crescimento das plataformas sociais, pela imensa curiosidade que temos sobre aqueles cujos sites ou contas na internet visitamos com regularidade, e por ter que me atualizar nos caminhos da cultura. 

Aqui vai, portanto, o exercício de QUEM SOU?  com exatos dez meses de atraso.  Ah, sim, algo que não está na foto porque ela foi “pensada”  para minha conta no Instagram.  Meu nome é Ladyce West.  Minha conta no Instagram: @escritora.ladycewest   Há outras contas com o meu nome mas serão desativadas, para não criar problemas.  Muito obrigada a todos que vêm aqui regularmente, visitam o blog, que se dispõem a comentar.  Pode não parecer, mas tenho alguns de vocês em mente, muitas vezes,  ao fazer minhas postagens.  Um grande abraço a todos.  E vamos manter este diálogo vivo!

 





Sublinhando…

1 04 2024

Leitura no sofá, 2019

Alfonso Cuñado (Espanha, 1953)

óleo sobre tela, 50 x 50 cm

 

 

 

“Os livros nascem de um gérmen ínfimo, de um ovinho minúsculo, uma frase, uma imagem, uma intuição; e crescem como zigotos, organicamente, célula a célula, diferenciando-se em tecidos e em estruturas cada vez mais complexas até se transformarem numa criatura completa e geralmente inesperada.”

 

Rosa Montero

 

 

 

Em: A ridícula ideia de nunca mais te ver, Rosa Montero, tradução de Mariana Sanchez, São Paulo,Todavia: 2019.





Lista dos TREZE finalistas do Prêmio Booker Internacional

11 03 2024
Foto dos treze livros finalistas para o Prêmio Booker Internacional.

 

 

 

 

A grande surpresa é ver o autor brasileiro Itamar Vieira Júnior entre os finalistas.  Não porque não mereça, mas porque a competição é muito grande, com autores do mundo inteiro.

Sempre acompanho os prêmios Booker.  Tenho mais afinidade com as seleções tanto dos prêmios internacionais como daqueles publicados originalmente em língua inglesa. 

Aqui está a lista dos treze autores e seus livros.  Destes só conheço três, dois por outros livros que não os selecionados e claro Itamar Vieira Júnior por Torto Arado.

  • Not a River by Selva Almada, translated by Annie McDermott    PUBLICADO NO BRASIL em 2021, como Não é um rio, pela Todavia

  • Simpatía by Rodrigo Blanco Calderón, translated by Noel Hernández González and Daniel Hahn   

  • Kairos by Jenny Erpenbeck, translated by Michael Hofmann    OUTRA OBRA PUBLICADA EM PORTUGUÊS em 2018, Eu vou, tu vais, ele vai, pela Relógio D’água (Portugal)

  • The Details by Ia Genberg, translated by Kira Josefsson 

  • White Nights by Urszula Honek, translated by Kate Webster   

  • Mater 2-10 by Hwang Sok-yong, translated by Sora Kim-Russell and Youngjae Josephine Bae   

  • A Dictator Calls by Ismail Kadare, translated by John Hodgson   MUITAS OUTRAS OBRAS PUBLICADAS NO BRASIL, pela Cia das Letras, mas não achei esta.

  • The Silver Bone by Andrey Kurkov, translated by Boris Dralyuk    MUITAS OUTRAS OBRAS PUBLICADAS EM PORTUGUÊS (Portugal), mas não achei esta.

  • What I’d Rather Not Think About by Jente Posthuma, translated by Sarah Timmer Harvey   

  • Lost on Me by Veronica Raimo, translated by Leah Janeczko   

  • The House on Via Gemito by Domenico Starnone, translated by Oonagh Stransky   OUTRAS OBRAS PUBLICADAS NO BRASIL, pela Todavia.  Laços, 2017; Assombrações, 2018; Segredos, 2020, Dentes, 2022

  • Crooked Plow by Itamar Vieira Junior, translated by Johnny Lorenz   PUBLICADO NO BRASIL, Torto Arado, 2019, pela Todavia

  • Undiscovered by Gabriela Wiener, translated by Julia Sanches   OUTRA OBRA PUBLICADA NO BRASIL, em 2023, Exploração, pela Todavia.

 

Estas treze obras foram selecionadas como finalistas depois de terem sido julgadas entre a 149  obras recebidas para consideração.

 

O vencedor do Prêmio Booker Internacional será anunciado no dia 21 de maio de 2024, em Londres.





Todo mundo lê…

28 02 2024
Ilustração, Robinson.




Livros pequenos para o Carnaval do leitor

19 01 2024

Sem título

Jefffrey T. Batchelor (EUA, 1960)

óleo sobre tela

 

 

Este ano tenho uma lista grande de pequenas obras para podermos ler um ou mais livros nos feriados de Carnaval.   Desta vez, diferente dos anos anteriores, eu os listei em ordem de páginas.  Espero com isso incentivá-los a ler mais de um livro, quem sabe, um livro por dia?  Confirmei que todos eles estão à venda, pelo menos na Amazon, e serão todos entregues antes do Carnaval, mesmo aqueles que foram lançados alguns anos atrás.  Nem todos aparecem em versões eletrônicas, mas isso vou deixar a encargo de vocês.   Todos os livros citados tem menos de 200 páginas.  Na figura temos as capas e abaixo delas o número de páginas oficial, que frequentemente inclui páginas sem texto literário, mas registro de ISBN e demais informações.  Sou uma grande “compradora pela capa”,  sei, é risível.  Mas não resisto a uma boa capa. 

Boa sorte, boas leituras, saiam dessas férias marcados por boas leituras.

 

 

O lugar, Annie Ernaux, Fósforo:2021. 72 páginas

A vergonha, Annie Ernaux, Fósforo: 2022, 88 páginas

Distância de resgate, Samanta Schweblin, Fósforo: 2024, 96 páginas

Vamos comprar um poeta, Afonso Cruz, Dublinense, 2020, 96 páginas

Sangue do céu, Marcello Fois, Record:2005, 110 páginas

Salvatierra,  Pedro Mairal, Todavia: 2021, 110 páginas

Knulp, Hermann Hesse, Todavia: 2020, 112 páginas

Quarto Branco, Gabriela Aguerre, Todavia: 2019, 120 páginas

Sumchi, Amos Oz, Cia das Letras: 2019, 128 páginas

Oeste, Carys Davies, Alfaguara: 2018, 128 páginas

Um álbum para Lady Laet, José Luiz Passos, Alfaguara: 2022, 128 páginas

O buda no sótão, Julie Otsuka, Grua: 2011, 144 páginas

Segredos, Domenico Starnone, Todavia: 2020, 150 páginas

O livro branco, Han Kang, Todavia: 2023, 160 páginas

Bonsai e a vida privada das árvores, Alejandro Zambra, Tusquets: 2018, 160 páginas

A história dos meus dentes, Valeria Luiselli, Cia das Letras: 2016, 166 páginas

Meninas, Liudmila Ulítskaia, Editora 34: 2021. 168 páginas

Kim Jiyoung, nascida em 1982, Cho Nam-Joo, Intrínseca: 2022, 176 páginas

Quando deixamos de entender o mundo, Benjamin Labatut, Todavia: 2022, 176 páginas

Copo Quebrado, Alain Mabanckou, Malê: 2018, 180 páginas

Carta à rainha louca, Maria Valéria Rezende, Alfaguara: 2019, 185 páginas

A importância dos telhados, Vanessa Molnar, Cepe: 2020, 190 páginas

 

Caso não tenha achado nada que lhe agrade, recomendo que veja outras listas para Carnaval neste mesmo blog e se quiser uma leitura mais leve, há sempre as aventuras de Maigret, de Simenon, cujos livros raramente chegam a 200 páginas.

 

 

Bom Carnaval a todos!

 





Curiosidade literária

15 01 2024

Os escritores russos Leon Tolstoi e Ivan Turgenev foram amigos próximos por muito tempo. Até que se afastaram, em grande parte por causa do gênio de Tolstoi, que parecia aquele personagem  Do Contra, da Turma da Monica de Maurício de Sousa.  Turgenev reclamava: “se eu digo que estou com bronquite, ele [Tolstoi] não faz caso, considera se tratar de uma doença imaginária.”  “Se eu gosto da sopa, tenho certeza de que Tolstoi vai detestá-la ou vice-versa.” Isso continuou por algum tempo até que Tolstoi se meteu na vida particular de Turgenev.

Numa reunião na casa de amigos, no meio de uma conversa geral, Tolstoi (que nunca se considerava errado sob qualquer circunstância) criticou a maneira como Turgenev educava sua filha concebida fora de um casamento legal.  Tolstoi afirmou que Turgenev a educava de maneira diferente porque não era filha legítima. Turgenev, enraivecido, quase saiu aos tapas com Tolstoi.  Mesmo depois de terminado o jantar em que estavam, a briga continuou, por anos.

Continuou, no entanto, por cartas e recados escritos e passados de um para outro até que Tolstoi, sempre querendo uma briga, desafiou Turgenev para um duelo, chegando a  encomendar um jogo de pistolas.  Mas, depois de passado algum tempo, decidiram nunca mais se falarem.  “Precisamos agir como se existíssemos em planetas diferentes, Turgenev escreveu.  Assim permaneceram sem se falar como se o outro não existisse, mesmo morando muito próximos. 

Até o momento em que Tolstoi encontrou Deus, ou seja, se tornou religioso.  Na boa tradição religiosa, procurou remendar as amizades que tinha destruído ao longo da vida, para redimir sua alma. A lista era longa. Turgenev aceitou o pedido de desculpas de Tolstoi, mas os dois nunca voltaram a ser amigos de novo.

 





Curiosidade literária

8 01 2024

Charles Dickens e a pequena Nell (personagem de A velha loja de curiosidades), 1890

Francis Edwin Ewell (EUA, 1859-1934)

Bronze

Parque Clark, Filadélfia, EUA

 

 

 

O afamado escritor inglês Charles Dickens colocou em seu testamento que não queria nenhuma estátua de si mesmo, nenhum monumento.  Ele detestava esse tipo de honraria. E no entanto, no momento existem três bronzes que retratam o escritor. Há um na Pensilvânia (EUA), um em Sidney (Austrália) e o mais recente, na sua própria cidade natal, na Inglaterra: Portsmouth.

No monumento na Filadélfia ele está retratado com Nell, talvez a personagem mais querida de todas as obras de Dickens.  A maioria de suas obras foi publicada em série nos jornais (assim como muitas obras do século XIX aqui no Brasil, também, de autores brasileiros).  Nell era tão querida que, quando os navios chegaram à Nova York trazendo os últimos capítulos de A velha loja de curiosidades, uma multidão de seis mil pessoas chegou às docas, para perguntar aos viajantes ou marinheiros se a Pequena Nell morria no final do livro, tal era sua popularidade no Novo Mundo.

Interessante saber também que Charles Dickens detestava Filadélfia não tendo nada de bom a dizer sobre a cidade.  No entanto, este monumento, hoje é um dos perfis do bairro onde está, que todos os anos, produz uma festa para Dickens comemorando seu aniversário (7 de fevereiro) quando sua estátua e a de Nell são coroadas com guirlandas de flores e há leituras por horas de suas obras assim como muita música e dança.   Não adiantou nada ele não gostar de Filadélfia,  eles nem se incomodaram com isso.





Uma biblioteca sem seu guardião, que fazer?

3 01 2024
Harry C. West na nossa primeira biblioteca no Rio de Janeiro.

2024 chegou e trouxe a decisão de começar a dar um destino para a já diminuida biblioteca daqui de casa.  Chegamos ao Rio de Janeiro com aproximadamente 2,800 livros, com mobiliário reduzido, meu piano de meia cauda, minha coleção de azulejos persas dos séculos XVIII e XIX e pela primeira vez a combinação de nossos livros em um único cômodo.  Sim, moramos nos Estados Unidos com o luxo de cada um ter sua própria biblioteca, seu próprio computador, sua própria impressora, suas poltronas favoritas, e todos os outros objetos que compõem uma biblioteca-escritório de pessoas estudiosas. 

Depois de escolher o lugar para morar, no RJ, voltamos para os Estados Unidos determinados a reduzir nosso mobiliário, livros, objetos.  Deixávamos para trás uma casa em centro de terreno com um jardim extenso, uma pequena floresta ao fundo por onde corria um riachinho cantante  na linha divisória com os vizinhos de trás, distante cento e vinte metros da casa. Este terreno tinha um bocado de vida silvestre, difícil de imaginar que estávamos num ambiente urbano, a oito quilômetros do movimentado centro da cidade, capital do estado.  Nossos companheiros de endereço faziam um conto de Rudyard Kipling parecer americano.  Tínhamos corujas, gambás, esquilos, como os do Brasil, uma meia dúzia de famílias de chipmunks (não achei tradução porque não são esquilos, mas da família), pombinhas, passarinhos de todo tipo, toupeiras, guaxinins, coelhinhos com rabo de pompom, lesmas, borboletas, grilos aos milhares… Todos nós convivendo felizes em pouco mais de 2100 metros quadrados de jardim sombreado por mais de 20 carvalhos de 30 metros de altura, alguns pinheiros e uns dez dogwoods, além de arbustos e plantas que eu mesma tocava. Pouca grama, ainda bem, só na frente da casa.

 

 

Harry em sua mesa favorita, (apesar de ter uma escrivaninha): mesa de jogo, na biblioteca.  A mim parece e era desconfortável, mas ele gostava.

 

 

Saímos deste local para morarmos num apartamento de cento e oitenta metros quadrados, no Rio de Janeiro.  Tínhamos que reduzir.  Passamos aproximadamente oito meses nos preparando, empacotando, selecionando objetos. Nossas bibliotecas foram podadas.  A minha concentrada em arte moderna europeia  e na arte dos séculos XVII e XVIII, em história medieval além, é claro, de muita literatura europeia dos séculos XIX e XX, com ênfase na Inglaterra e França.  Harry, por outro lado tinha uma vastíssima coleção de diversas traduções dos clássicos gregos e romanos (ele gostava de comparar traduções), grande coleção de filosofia, que também apresentava diversas cópias do mesmo texto com diferentes traduções para o inglês.  Psicologia era seu campo de estudos aplicados à literatura americana.  E todos os textos da literatura americana do século XIX, sua especialidade, além dos teoristas contemporâneos de Lacan a Bachelard, James Hillman e outros.  Chegamos ao Brasil com um container de 40 pés grande parte dele dedicado a livros, manuscritos, papelada, que só a nós interessava.  Isso foi antes dos livros digitalizados do Kindle ou de qualquer outro dispositivo.  Calculamos que deixamos metade dos nossos livros para trás.  Mas não contamos.

Em 2009 nos mudamos para outro endereço.  Menor.  Lá se foram outros tantos livros, a maior parte dos meus livros de arte.  Estava ficando fácil arranjar imagens na internet que me permitiam continuar a trabalhar sem ter que folhear livros pesados e fólios.  Nossa filiação com as universidades americanas começava a dar frutos substanciais quanto à pesquisa, porque tínhamos o direito de consultar livros já digitalizados desses locais.  [Hoje eu assino alguns sites onde encontro as mais recentes publicações sérias.]  O mundo mudou.

 

 

Nosso mundo.

Outras mudanças, doença, fizeram dos originais 2.800 livros no Rio de Janeiro, talvez uns 1700. Hoje selecionei 231 volumes para doação. Foi a primeira seleção. Vou repetir essa limpeza ainda umas duas vezes neste mês. Guardei todos os que ainda tinham anotações. Aprendi com Harry a marcar os livros nas próprias páginas. Porque esses eram livros de trabalho. Muitos deles, que hoje guardei, já estão com dorsos e capas desgastados pelos trinta e cinco anos em que Harry ensinou na universidade. Guardei também porque têm sua letra, tão bem elaborada, tão distinta, tão fácil de ler e sua assinatura nas páginas de rosto. Estes eu guardei. Não tive coragem ainda de me desfazer deles, assim como ainda tenho os manuscritos dos dois livros já acabados mas faltando polir, que ele deixou para trás. Tentei ainda conversar nos últimos anos, ajudá-lo na edição nos cortes (sou boa de cortes), mas seu interesse já não estava lá.

Nossa biblioteca era vasta porque apesar de trabalharmos nas humanidades, havia poucos pontos em comum nas nossas áreas de interesse. Havia poucas duplicatas. Exceto, e foi assim que nos apaixonamos, quando comparávamos notas: eu trabalhando com Freud e outros da psicologia, porque minha especialidade era a arte surrealista e Harry se dedicando aos pós-Junguianos na interpretação dos grandes escritores americanos do século XIX: Hawthorne, Poe, Emerson, Melville, Whitman e Throreau. Ele aprendeu sobre as artes plásticas comigo e passou a visitar museus com outros olhos. Tivemos também a sorte de viajar muito, e residir em alguns diferentes países. Desta ligação, eu saí ganhando, porque ele me educou nos textos clássicos gregos e romanos, assim como nos filósofos da renascença. Por sua causa devorei Edgar Alan Poe, Nathaniel Hawthorne e meu favorito entre esses, Emerson e seus ensaios. Mas além da primeira geração de clássicos americanos, também me familiarizei com Emily Dickinson, Henry James, Stephen Crane, Kate Chopin e outros. Nessa troca, ganhei mais, porque a literatura havia sempre sido um interesse meu, afinal de contas comecei meus estudos em letras, em francês. E Harry só se interessou pelas artes visuais depois de nos conhecermos. Mas fizemos uma boa dupla que se entendeu e se completou. Fico, portanto, ainda com muitos de seus livros ‘primários’, aqueles que têm sua letra cobrindo páginas, e sublinhados com pontos de interrogação ou menção do caminho para levar adiante. Quanto a seus manuscritos ainda não tive coragem de deixá-los ir. Mas estou abrindo espaço nas prateleiras. Ainda leio muito, ainda leio em papel. Ultimamente compro a versão digital e se gosto do livro, compro o mesmo livro em papel. Caminho para uma vida mais leve.